Acontece na UniGuairacá

42 99102-2239 Frequentes na Uniguairacá

Direitos Humanos: O que? Por quê? Como? Por Felipe Epprecht Douverny

A expressão “direitos humanos”, em boa parte da sociedade, suscita muitas incompreensões.

Por: Poliana Kovalyk

- 31/08/2022 17h01

  1. Direitos humanos, o que é isto?

Quem nunca ouviu, em conversas familiares, na mídia ou no senso comum, a afirmação de que os “direitos humanos só servem para defender bandidos”, que “ninguém pensa nos direitos humanos das vítimas” e que o que deveria ser defendido é “direitos humanos para humanos direitos”. Percebe-se, assim, que a expressão “direitos humanos”, em boa parte da sociedade, suscita muitas incompreensões, quando não desprezo e contrariedade. 

Digo incompreensões porque os direitos humanos são um fenômeno muito mais amplo do que os direitos assegurados aos réus no processo penal ou àqueles que estão encarcerados. Trata-se, na verdade, de uma série de direitos pertencentes a todos os seres humanos, sem distinção, e que tratam dos mais variados temas.

Alexandre de Moraes, por exemplo, define os direitos humanos fundamentais como “o conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano, que tem por finalidade básica o respeito a sua dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal e o estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana”.

Ora, nota-se que a definição citada vai muito além do senso comum sobre o tema. Certamente que a defesa dos réus no processo penal se insere no contexto de “proteção contra o arbítrio estatal”, mas não é somente essa a finalidade dos direitos humanos.

Primeiramente, porque qualquer um pode vir a sofrer o arbítrio estatal – pense na cobrança indevida de um imposto, por exemplo – e, portanto, todos os cidadãos encontram proteção nesses tal mal falados direitos humanos. Além disso, uma boa parte dos direitos humanos diz respeito à possibilidade de exigir do Estado algumas providências a fim de garantir uma existência digna, como no caso dos direitos à saúde, educação, previdência e assistência social, dentre outros.

Esses direitos estão previstos, inicialmente, na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, que, após o final da Segunda Guerra e na tentativa de estabelecer um padrão mínimo de proteção ao ser humano na esfera internacional e influenciar as nações a fazer o mesmo dentro de seu território, criou as bases para o Sistema Internacional de Direitos Humanos.

A título de exemplo, a Declaração de 1948 estabelece como direitos humanos tanto a proteção contra prisão arbitrária (art. 9) e a presunção de inocência (art. 11), comumente invocados em matéria penal, como os direitos à participação política (art. 21), ao trabalho (art. 23), a uma vida digna (art. 25), à educação (art. 26) e à cultura (art. 27).

Esse sistema é composto, em primeiro lugar, por uma série de normas, os tratados internacionais de direitos humanos, que versam sobre diversos temas:

(i) nossos direitos civis e políticos, ou seja, a garantia de direitos como a vida, a liberdade, a igualdade, a segurança, a proibição contra tratamentos degradantes, bem como a possibilidade de participar das decisões coletivas, pelo voto ou pelo exercício de cargos públicos. Desses direitos cuida, por exemplo, um pacto internacional de 1966, ou a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de 1969, conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, assim como tratados específicos buscando a proteção contra o genocídio (1948), a discriminação racial (1966), a discriminação contra a mulher (1979), a tortura (1984), ou garantia de direitos gerais da criança (1989) e das pessoas com deficiência (2006).

(ii) nossos direitos econômicos, sociais e culturais, ou seja, direitos que dizem respeito à garantia de um padrão mínimo de vida e o acesso à educação e cultura. Deles trata, inicialmente, um Pacto específico, também do ano de 1966, além de diversas normas específicas dentro das convenções sobre a discriminação racial, a discriminação contra a mulher e os direitos das crianças, ou mesmo o direito de as populações tradicionais manterem parte de sua autonomia, como na Convenção nº 169 da OIT, de 1989.

 

  1. Direitos humanos: por quê?

Essa pergunta encontra resposta, em primeiro lugar, na história, uma vez que cada um dos direitos humanos foi estabelecido em resposta a certos anseios e lutas sociais.

Num primeiro momento, anseios de liberdade, igualdade, segurança e participação política, na luta contra o Estado Absolutista e a perseguição religiosa, por exemplo, que desembocaram nas primeiras declarações de direitos do final do século XVIII (EUA e França). Em outro momento, a luta dos trabalhadores por condições dignas de emprego, jornadas adequadas, salubridade e proteção contra os infortúnios da vida, por meio de medidas de assistência e previdência social, dando origem aos direitos econômicos e sociais.

Em seguida, como a proteção nacional se mostrou insuficiente, sobretudo na catástrofe da Segunda Guerra Mundial, buscou-se fixar esses direitos em normas internacionais, a fim de que a comunidade internacional pudesse ao menos fiscalizar cada país no tocante à proteção de direitos humanos, o que deu origem às diversas declarações e tratados do século XX.

Em suma, a linguagem ou a gramática dos direitos humanos foi a linguagem adotada pelo ser humano para expressar a indignação contra a injustiça. Mas a pergunta pelos porquês encontra também uma resposta de cunho mais filosófico. A ideia de que todos os seres humanos são portadores de certos direitos pelo simples fato de serem humanos tem sido justificada de muitas formas, como, por exemplo, pelo apelo a razões teológicas – pensar, por exemplo, em mandamentos divinos de amor ao próximo -, à existência de uma ordem jurídica superior que impõe o respeito a esses direitos como uma questão de justiça natural – ainda que sem referência a uma autoridade divina, ou mesmo pelo apelo a valores comuns à humanidade, na tentativa de estabelecer uma ética universal.

Todas essas justificativas parecem ter se unido, de alguma forma, na adoção da ideia de dignidade da pessoa humana como fundamento dos direitos humanos, que aparece de forma explícita na Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948 e nos dois Pactos Internacionais de 1966. Essa expressão, por seu turno, indica uma qualidade específica que o ser humano tem e que torna necessário respeitá-lo, não o tratar de forma degradante, e impõe a obrigação de lhe garantir um padrão mínimo de vida.

Ainda que não haja propriamente um consenso sobre o que constitui essa qualidade – para uns, o fato de ser criado à imagem e semelhança de Deus, para outros o fato de que é um ser racional, com autonomia e que não pode ser tratado como objeto -, parece haver acordo sobre a necessidade de resguardá-la. Tanto é assim que mesmo aqueles, como Norberto Bobbio, que julgam irrelevante a busca por um fundamento dos direitos humanos, defendem a proteção efetiva aos direitos humanos.     

 

  1. Direitos humanos: como?

Para a proteção de um direito, certamente não basta sua previsão em alguma norma, sendo necessária, ainda, a existência de meios que nos possibilitem fazê-los valer na prática.

Por tal razão é que, além de normas, o Sistema Internacional criou uma série de mecanismos de proteção aos direitos humanos, ou seja, uma série de órgãos responsáveis por fiscalizar o cumprimento das normas internacionais, emitir relatórios e recomendações, a fim de que os países passem a efetivar na maior medida possível os direitos humanos. Esses órgãos podem ser criados em tratados específicos e, nesse caso, são chamados de Comitês, ou podem fazer parte da estrutura da ONU, como a Comissão de Direitos Humanos, que realiza, a cada quatro anos, uma Revisão Periódica Universal, uma reunião na qual todos os países integrantes da ONU são avaliados no quesito direitos humanos.

Mas a proteção aos direitos humanos não fica restrita ao direito internacional. Até mais eficaz é a previsão desses direitos humanos no ordenamento de cada país, normalmente na Constituição, caso em que são chamados de direitos fundamentais, como aqueles previstos nos arts. 5º 6º e 7º da nossa Constituição Federal, que podem ser exigidos, em maior ou menor medida, por todos os cidadãos, seja dos demais, seja do poder público.

Assim é que, além de normas prevendo direitos fundamentais, há diversos órgãos responsáveis pela defesa dos direitos humanos, que cabe, por exemplo, ao Judiciário, ao Ministério Público, à Defensoria Pública, às Comissões de Direitos Humanos criadas nas casas legislativas e na OAB, além de Comitês sobre temas específicos, como o Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura.

Como instrumentos de atuação, podem ser utilizados os mecanismos processuais previstos no direito brasileiro, como o habeas corpus, o mandado de segurança, ações civis públicas, ADPFs e Ações Direitas de Inconstitucionalidade, assim como a possibilidade de remeter à esfera federal a investigação e punição de graves violações de direitos humanos, no instituto conhecido como Incidente de Deslocamento de Competência.

Há, portanto, uma série de mecanismos à disposição do cidadão brasileiro, para fazer valer os seus direitos humanos.

Por fim, além de mecanismos mais conflitivos, como, por exemplo, ajuizar uma ação e fazer valer pela força estatal um certo direito, a ideia é criar uma cultura de respeito à dignidade humana, o que se faz por meio da educação em direitos humanos, que visa evitar a violação e não simplesmente puni-la depois que ela ocorre.

 

  1. Conclusão

Com este breve texto, esperamos ter contribuído para alargar a visão do leitor sobre o fenômeno dos direitos humanos, desfazendo alguns mitos e demonstrando que se trata de uma expressão que indica direitos muito amplos, pertencentes a todos, não somente a alguns, e que têm como objetivo não apenas resguardar alguns bens contra a ação estatal – o que já é, em si, grande conquista histórica -, mas exigir desse mesmo Estado que assegure condições mínimas de vida aos cidadãos e residentes no seu território.

Há problemas na própria linguagem dos direitos humanos e na sua implementação? Certamente. Alguns apontam que tais direitos, sem a ênfase correspondente em deveres recíprocos e no princípio da fraternidade – previsto, aliás, na própria Declaração de 1948, podem adquirir um caráter individualista e corrosivo do bem comum. Trata-se, nesse caso, de uma crítica mais bem fundamentada, não uma crítica baseada no senso comum ou preconceitos particulares. Uma crítica desse tipo com certeza pode ser feita e é, ou deveria ser, muito bem vinda, para que os direitos humanos e sua aplicação sejam aperfeiçoados, até mesmo porque o próprio sistema internacional oferece ferramentas para combater esses problemas.

Em suma, não é porque os direitos humanos, em sua formulação ou aplicação, apresentam alguns problemas, que se vai rejeitar a ideia como um todo. Afinal, trata-se de uma conquista civilizatória, que não é nem de esquerda nem de direita – para fazer referência a uma angústia cada vez mais comum em nosso país – e que importa a todos, sem distinção.

teste