Acontece na UniGuairacá

42 99102-2239 Frequentes na Uniguairacá

Por bons encontros: sobre o trabalho psicológico em um grupo de apoio a adoção, por Monica Barbosa

O que move para adoção? É uma pergunta que precisa ser feita. A professora Monica, coordenadora do Grupo Gama, traz uma reflexão sobre o tema.

Por: admin

- 24/08/2020 15h52

Sustentar nossos desejos não é tarefa fácil, nos alerta a psicanálise. Exige de cada um, uma aposta e aceitação de que, se é uma aposta, há perdas já de partida. Sustentar o desejo de ser pai ou mãe envolve enfrentar a perda de algo do campo do ideal, do imaginário. Em se tratando da adoção de crianças e adolescentes não é diferente, adotar exige uma análise profunda das razões para fazê-lo. O que move para adoção? É uma pergunta que precisa ser feita! Qualquer coisa diferente de ser pai ou ser mãe deve ser analisada com cuidado.

Podem ser muitas as faces do que levou alguém a pensar em adoção, mas é preciso lembrar que adotar não deve servir para tamponar questões passadas ou presentes. Como bem se sabe, ter filhos não resolve problemas.

Muitas vezes o processo de adaptação a adoção se torna penoso porque se gera  expectativas demais, idealizações demais, fantasias demais. Isso dificulta o vínculo com o filho real, com a criança e/ou adolescente que existe, gerando frustrações, sofrimento e em alguns casos a devolução, o que se pode imaginar é algo do campo do traumático tanto para os pais, quanto mais para a criança/adolescente que também imaginava poder se encontrar em uma família.

Por isso a preparação para adoção é importante. O grupo Gama (Grupo de apoio multifamiliar a adoção da UniGuairacá) nos tem ensinado, nos seus mais de 10 anos de existência e de trocas de experiência com a comunidade adotante, algumas coisas fundamentais. Uma delas é que é preciso tempo entre a decisão de adotar e a concretização da adoção. Não se trata de um tempo qualquer, mas de um tempo qualificado, um tempo para compreender antes de concluir.

Ainda vale dizer, este tempo de preparação quando mediado por pessoas que já passaram pelo processo e por profissionais eticamente posicionados pode auxiliar na desconstrução de vários mitos enraizados culturalmente e que funcionam como um entrave e um dos grandes culpados pela morosidade dos processos.

Existe culturalmente uma ideia de que é preciso adotar apenas bebês ou crianças muito pequenas, porque crianças com mais idade ou adolescentes trariam dificuldades, não se adaptariam, trariam uma espécie de “herança ruim” da família de origem. Precisamos muito falar sobre isso. Trata-se de um mito, de um preconceito que não se fundamenta na prática. O encontro entre pais e filhos em qualquer esfera é singular e trabalhoso. Ter filhos dá trabalho! Outros exemplos de entraves passam pela construção do perfil sustentada em medos de que se a criança for de uma etnia diferente, a família sofrerá preconceitos, se for menino dará mais trabalho, porque os meninos são mais agressivos, seria melhor então uma menina, sem irmãos, pequena e branca. Esse é o perfil preferido dos pretendentes a adoção no Brasil.

Contudo, a realidade é outra. De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no Brasil atualmente existem cerca de 8,7 mil crianças e adolescentes aptas para adoção, destas 73,48% são maiores de 5 anos; 65,85% são pardas e negras e 58,52% possuem irmão. Enquanto isso 43,6 mil adultos estão na fila, à espera de um filho adotivo. Essa conta não fecha ou essas filas não se encontram porque 77,79% dos pretendentes só aceitam crianças com menos de 5 anos, 17% aceitam apenas crianças brancas e 64,27% não aceitam irmãos! Assim a demora pela formação de uma nova família, tão esperada, não é por conta apenas da burocracia, mas pelo muro entre perfil e realidade.

Entendemos que os números são apenas um alerta, é preciso ir além para compreender a complexidade do processo de adoção e nesse tempo de compreender, neste tempo de preparação e questionamentos, fazer crescer a possibilidade de um bom encontro, a partir de um desejo já mais desnudado.

No campo social e jurídico é preciso entender que adoção, como uma estratégia do Estado, é um processo que serve primeiramente a crianças e adolescentes, para proteger e a garantir o direito a uma família que possa recebê-las bem. Não se trata e não se pode tratar de encontrar filhos ideais para pais.

O grupo Gama tem trabalhado para fazer ceder este imaginário, estes fantasmas individuais e sociais que vêm atrapalhando esse possível bom encontro.


Monica Adriane Barbosa
Graduada em Psicologia pela Universidade Estadual de Maringá
Especialista em Psicanálise pela Universidade Católica Dom Bosco
Mestre em Psicologia pela Universidade Estadual de MaringáMonica Adriane Barbosa